Os sonhos e os ritmos do sotaque de orquestra do Bumba Meu Boi do Maranhão
Orquestra é o nome dado ao sotaque mais recente do BMB, que mistura instrumentos de sopro e cordas com maracás e tambores. Entenda seu surgimento e desdobramentos

Em época de São João, todos os municípios ganham um brilho especial, as bandeirinhas são postas, os tambores são esquentados e as matracas se preparam para entoar a melodia da cultura popular. Dentre tantas manifestações presentes, uma se destaca pela sua longa e rica história como pilar que representa o estado: O Bumba Meu Boi (BMB) do Maranhão, que há anos carrega consigo tradição, ancestralidade, música, moda, dança e oferta lembranças que marcaram – e ainda marcam – da infância à velhice de cada um.
Apesar de representar uma só manifestação, existem diversos estilos, ou ritmos, que formam as diferentes formas de tocar, dançar e apresentar o BMB, que variam desde o local de origem até as culturas apropriadas. A esses ritmos, damos o nome de sotaques, isto é, são as muitas formas de participar da brincadeira. São eles: Matraca, Zabumba, Orquestra, Baixada e Costa de Mão.
Nesta matéria vamos abordar o sotaque de orquestra.
Qual a história do sotaque?
As razões da origem do estilo são interessantes e multifacetadas, com registros dos anos 1950 e 1960, mas com informações que contrastam, afirmando também que o possível surgimento teria sido em Rosário, nas décadas de 20 e 30. Pesquisadores afirmam que surgiu na região do Rio Munim, abrangendo principalmente municípios como Rosário, Icatu e Axixá.
Seu ritmo é acelerado e melódico, com grande destaque para o uso de instrumentos de corda e sopro, tais quais saxofone, clarinete, flautas e banjos, ao mesmo tempo que também há presença de maracás e tambores. Seus principais personagens são índias, índios e vaqueiros.
A indumentária dos brincantes é composta por coletes (peitilhos) e saiotes feitos de veludo e adornados com miçangas e canutilhos.
Dentre seus vários representantes, estão: Boi de Axixá, Boi de Nina Rodrigues, Boi de Morros, Boi de Rosário, Boi Brilho da Ilha, Boi Novilho Branco, Boi Mocidade Axixaense, Boi do Una, Boi de Sonhos, só para citar alguns.
A Orquestra do Bumba Meu Boi de Sonhos
Com raízes na rua da Pedreira, nº 90, localizada no bairro do Tirirical, o Boi de sonhos surge em 1º de maio de 1995 com os deslumbramentos da, ainda garota, Cileninha. Por volta dos 12 anos de idade, a jovem viu uma apresentação do Boi de Axixá dançando e ficou maravilhada com tudo aquilo; depois disso, chegou a dançar no Boi do CEIC – o primeiro boi de orquestra de São Luís –, momento em que aprendeu os primeiros passos de Bumba Meu Boi e desenvolveu ainda mais sua paixão e carinho pela cultura popular. “Tive a ideia e colocar um boizinho pra mim. Chamei minhas amiguinhas da mesma idade e elas toparam realizar comigo esse sonho que teve o apoio dos meus pais.”, conta.
Hoje, com 43 anos, Cileninha é presidente do Boi de Sonhos e nele exerce também os papeis de coreógrafa e artesã. Ela revela que “o diferencial desse sotaque são os instrumentos que ligam diretamente a harmonia com a dança; é um sotaque que pode ser trabalhada divinamente a coreografia; é onde o público fica preso vendo o boi de orquestra, prestando atenção em cada detalhe e no som individual que cada instrumento soa (clarins, percussão e cordas trabalham juntos nesse encontro de sons que só o Maranhão tem)".
Levando consigo não somente o gosto pelas manifestações artísticas do estado, ela também explora o amor por suas origens. “A nossa cultura é rica em todos os sentidos possíveis, e ver o Boi de Sonhos nascer e crescer dentro do bairro em que nasci é motivo de muito orgulho para mim, porque foi um trabalho em conjunto com pessoas de minha infância, e ter esse trabalho reconhecido hoje no Maranhão inteiro é dizer que é possível sim sonhar e realizar. Tenho muito orgulho de dizer que o boi é do bairro do Tirirical e que, além de cultura popular, ele é um refúgio para tantas pessoas.”
BMB do Maranhão
Conhecido popularmente como Bumba Meu Boi (BMB), a prática consiste em uma festa popular amplamente reconhecida e praticada no nordeste do Brasil, com destaque para o estado do Maranhão, que mescla seu imaginário repleto de cultura e simbolismo religioso, formando, assim, um evento inesquecível para todos os maranhenses e turistas que decidem apreciar e participar desse complexo cultural, sendo a peça-chave a figura de um boi manipulado por uma pessoa, o miolo.
Entre músicas, toadas, zabumbas, pandeirões, matracas e penas de índias, o São João atravessa os anos como essa marca permanente em nossos corações. De acordo com o projeto de extensão da UFMA “Caminhos da Boiada”, no Maranhão, “aproximadamente 450 comunidades são unidas por fortes laços criados pela cultura do bumba-boi. Concentram-se na Grande Ilha para os festejos juninos, nessa brincadeira popular que une devoção e prazer, compromissos de fé e de contrato: ao ‘brincar boi’ os brincantes pagam promessas a santos e entidades, mas também negociam sua arte com o turismo e o mercado; vivem momentos de espetáculo e de confraternização”. Desse modo, a festa surge como um ritual de resistência que traz alegria ao cotidiano de dificuldades do povo maranhense, com diversão, mas também com crítica social por meio das manifestações culturais e artísticas.
Por Júlio C. (Ascom Secma)
Fotos: Acervo Secma